Dezesseis de dezembro de 2012. Estádio de Yokohama, no Japão. Contrariando todas as previsões, o time do Corinthians vence o poderoso Chelsea, da Inglaterra, com um gol no segundo tempo. O resultado garante ao time paulista o título de campeão mundial.
Oito meses após a consagração internacional, o alvinegro centenário viaja até o interior de Mato Grosso para enfrentar um adversário com apenas nove anos de fundação e folha de pagamentos inferior ao salário de sua maior estrela, o atacante Alexandre Pato.
Em jogo, uma vaga nas quartas-de-final da Copa do Brasil, o segundo mais importante torneio de clubes do país. Desconhecido da maioria dos brasileiros, o time do Luverdense, da cidade de Lucas do Rio Verde (a 360 quilômetros de Cuiabá), era apontado como azarão por dez entre dez especialistas.
Vinte e um de agosto de 2013. Estádio Passo das Emas totalmente lotado. Após dominar quase todo o jogo e desperdiçar inúmeras chances, o pequeno time mato-grossense vence o Corinthians com um gol nos últimos minutos do segundo tempo.
Surpreendente, o resultado tornou-se de imediato um dos assuntos mais comentados no Twitter no mundo. Jornais, TVs, rádios e sites de notícias repercutiram o tema com assombro. O apresentador Marcelo Tas, do programa CQC, chegou a perguntar nas redes sociais: “Luverdense é de que país?”. De um Brasil que dá certo, responderam os moradores de Lucas, em uníssono. Nascida no início da década de 1980, às margens da BR-163 (Cuiabá-Santarém), a modesta agrovila fundada por imigrantes gaúchos tornou-se hoje um dos mais importantes polos econômicos do Centro-Oeste.
No jogo de volta, em São Paulo, o aguerrido time de Mato Grosso lutou, mas não conseguiu segurar a pressão do Corinthians no Pacaembu. A derrota por 2 a 0 custou a eliminação da Copa do Brasil, nada de anormal diante da tradição e do poderio econômico dos dois times.
Na última semana, porém, o Passo das Emas foi o palco de uma conquista inesquecível para os torcedores do Verdão do Norte. Jogando pelas quartas de final do Campeonato Brasileiro da série C, o clube, que na partida de ida já tinha vencido por 2 a 1 o Caxias, do Rio Grande do Sul, voltou a bater o rival e, com dois gols a zero, atingiu o seu grande objetivo neste ano: o inédito acesso para a Segunda Divisão do Brasileiro em 2014.
Agora, o clube aguarda o vencedor do confronto entre o Santa Cruz, de Pernambuco, e os mineiros do Betim para iniciar a disputa da fase semifinal e, quem sabe, levar o título de Campeão Brasileiro da série C para a orgulhosa Lucas do Rio Verde.
Somente na safra passada, o município foi o responsável por quase 1% de toda a soja produzida no país, além de colher expressivos resultados com o milho safrinha e o algodão. Em franco crescimento na área da agroindústria, Lucas abriga ainda plantas de grande porte para o beneficiamento de suínos e aves.
“O Luverdense tem tudo a ver com nossa cidade e com Mato Grosso. Essa é uma terra de oportunidades. Quem plantar aqui colhe”, afirma o presidente do time, Helmute Lawisch, gaúcho que se estabeleceu na região em 1987 para nunca mais sair.
Grande produtor de soja, milho, algodão e suínos, Lawisch não é o único da diretoria que tem relação com o agronegócio. Seu vice, Jaime Alfredo Binsfeld, é presidente executivo da Fiagril, gigante regional que em 2012 faturou cerca de R$ 2,5 bilhões com revenda de grãos, insumos e produção de biodiesel.
“Nossa cidade é agrícola. Todo mundo aqui é envolvido com a agricultura. Quem não planta é prestador de serviço para quem planta. Todo mundo tem envolvimento. E, com a mesma eficiência que fizemos o agronegócio nesta região, estamos fazendo o futebol”, diz o presidente.
Fundado em 24 de janeiro de 2004, o Luverdense já conquistou dois campeonatos estaduais e três edições da Copa Governador de Mato Grosso. Na Série C do Brasileirão, era desde o começo do torneio um dos favoritos ao acesso. No mercado, é reconhecido como um time modelo, que gasta somente o que pode e cumpre seus compromissos.
“O clube paga em dia, os hotéis em que ficamos são os melhores de cada cidade, a logística é boa, sempre o melhor ônibus, sempre de avião para outros Estados. A alimentação é boa. Todos os jogadores moram em apartamento e podem trazer suas famílias”, enumera o técnico Júnior Rocha, ex-jogador do clube.
Autor do primeiro gol da vitória contra o Caxias no Passo das Emas (foi dele também o gol da vitória contra o Corinthians), o maranhense Misael Jansen chegou à cidade em maio passado sem saber o que encontraria. “Eu não procurei saber da cidade, mas a informação que tive é que era um clube que oferecia uma estrutura boa para o jogador. E não foi nada diferente disso”, avaliou.
Quem acompanhou o início de tudo, porém, nem sequer imaginava tanto sucesso. “Pensamos em fazer um time porque não havia o que fazer aqui nos finais de semana. Pensamos em uma maneira de reunir e divertir as famílias da cidade. Esse era o pensamento”, lembra o diretor Edu Pascoski.
À ocasião, não havia estádio na cidade. Com apoio da prefeitura, os moradores organizaram um mutirão que, em pouco mais de dois meses, ergueu os 5 mil lugares do Passo das Emas. O primeiro título, da Copa Governador veio já no primeiro ano.
“Hoje, nós adquirimos credibilidade. O mercado conhece o Luverdense. Temos uma filosofia que é a mesma dos nossos negócios: resultados, seriedade e profissionalismo. Afinal, não está nos estatutos que um grande time de futebol tenha de estar nas capitais ou no litoral”, opinou Lawisch.
Para a diretoria, a visão gerencial do agronegócio é perfeitamente aplicável ao futebol. “É preciso capacidade para escolher os insumos e escolher os atletas. Escolher a comissão técnica e a variedade de soja para você plantar. O treinador, por exemplo, é uma variedade de profissional que pode ou não se adaptar ao nosso estilo”, diz Pascoski.
Um dos principais patrocinadores do time desde a fundação, o empresário Marino Franz, da Fiagril, diz que a boa campanha do time ajuda a “reverter a imagem ruim que existe de Mato Grosso, especialmente na questão ambiental”.
“A Copa do Brasil ajudou muito a vender a região. Eu falei com vários jornalistas do Brasil inteiro. Nunca iríamos ter um espaço na mídia nacional como tivemos,” afirma Franz.
Segundo ele, o jogo com o Corinthians “desmistificou” a ideia de que um time do interior tenha de se sentir inferiorizado diante de um time de expressão nacional. “Isso acabou. “Ganhar do Corinthians parecia ser impossível para quem não acompanha o nosso trabalho. Somos bons de soja. E bons de bola.”