Não basta superar marcas e adversários. O caminho dos atletas brasileiros para os Jogos Olímpicos do Rio ganhou um novo obstáculo durante o ano de 2015, e que deve seguir em 2016: a crise econômica no país. A principal consequência foi a alta do dólar, que pulou de R$ 2,50 para R$ 4. Os orçamentos das confederações esportivas, em reais, precisaram ser recalculados. Equipamentos importados e viagens internacionais para treinos e competições ficaram mais caros. O GloboEsporte.com procurou dirigentes, treinadores e atletas para saber como eles foram afetados.
NATAÇÃO DEIXOU DE IR PARA COMPETIÇÃO IMPORTANTE
No primeiro semestre, a alta do dólar impediu que a equipe brasileira disputasse o Mare Nostrum, na França, circuito mais tradicional da natação. O planejamento para 2016 até as Olimpíadas foi reestruturado com treinamento em altitude e Grand Prix nos Estados Unidos dentre as principais ações, que vão depender do número de atletas. Quem tiver melhor desempenho terá prioridade na participação dessas viagens. Treinador da seleção feminina, Fernando Vanzella acredita que todos poderão ser atendidos
- Em 2015, pela surpresa de o dólar subir tivemos que replanejar algumas coisas. Mas agora o dólar deu uma certa estabilizada e a gente está conseguindo dar uma sequência.
BASQUETE DEPENDE DE CONVÊNIO COM MINISTÉRIO
Apesar de dívidas, a Confederação Brasileira de Basquete (CBB) consegue apoiar a seleção masculina graças a um convênio com o Ministério do Esporte de R$ 7 milhões este ano. A seleção feminina também será contemplada, de acordo com a pasta federal. Treinador da equipe masculina, Ruben Magnano confirma que não falta nada na preparação do time:
- A crise financeira não chegou á seleção brasileira adulta de basquete. Até o momento, não tivemos nenhum problema com isso, e espero que não tenhamos até as Olimpíadas - disse o argentino.
VELA PRIORIZA EQUIPE PRINCIPAL
Diminuíram o período de treinamento e de estadia para competições fora do Brasil. Boa parte das compras de equipamento, como botes, foi feita em 2014, quando a cotação estava baixa. Velejadores tiveram que comprar equipamentos similares no lugar de importados, mais caros, caso de Marco Grael, parceiro de Gabriel Borges na classe 49er. As equipes principais foram priorizadas, em detrimento dos segundo e terceiro times e da vela jovem. O presidente da Confederação Brasileira de Vela (CBVela), Marco Aurélio Sá, reclama da falta de garantia do uso do dinheiro.
- O câmbio foi uma pedrada. Não falta dinheiro ao esporte brasileiro. O problema é que ele não é garantido. Todo mundo tem suporte, mas ninguém tem garantia de nada. Será que eu vou ter o meu técnico depois de 2016? Graças a Deus existe a lei Piva. Ela resolve o meu problema, mas não os das demais confederações.
JUDÔ CORTA PREPARAÇÃO PARA 2020 E 2024
A delegação olímpica não sofreu cortes da modalidade que deverá ser carro-chefe do Brasil nos Jogos do Rio. Mas a cotação do dólar e do iene afetou atletas mais novos, que estão em formação e sendo preparados para as Olimpíadas de 2020 e 2024. Gestor técnico de alto rendimento da Confederação Brasileira de Judô (CBJ), Ney Wilson afirma que ter patrocinadores privados é mais seguro do que ter apenas públicos:
- Contamos que a participação das empresas será normal. Claro que se algumas disserem que não podem teremos cortes. Mas até agora tudo está correndo naturalmente.
TIRO ESPORTIVO NÃO CONSEGUE NOVAS VERBAS
Atletas têm sofrido para comprar armas e munição importados. O impacto maior foi nas viagens internacionais. Deixou-se de competir e treinar mais no exterior, mas ainda assim 2015 foi um ano recorde de participações de brasileiros em torneios fora do país, como informa o presidente da Confederação Brasileira de Tiro Esportivo (CBTE), Durval Balen. Há dificuldade para promover o maior evento-teste para os Jogos Olímpicos, em abril, no Centro de Tiro de Deodoro, com cerca de 1.000 atletas.
- A crise pegou as confederações em cheio. Os técnicos do Ministério do Esporte fazem o possível para manter os convênios. Nós não tivemos cortes de verbas, o que não estamos conseguindo são novas verbas que contávamos para preparação dos atletas, também por conta do preconceito em relação à modalidade, veiculada à violência. É compreensível que os primeiros cortes do governo comecem com lazer, esporte, apesar dos Jogos Olímpicos.
MINISTÉRIO ATRASA PARCELAS DA BOLSA ATLETA
Sete parcelas do pagamento do Bolsa Atleta sofreram atraso. O motivo foi o controle nos gastos do governo federal para reduzir o déficit das contas públicas neste fim de ano. O Ministério do Esporte anunciou no último dia 23 que duas parcelas serão pagas no dia 30. Também foi autorizado o pagamento de mais uma parcela da Bolsa Pódio.
- Tivemos todo o planejamento para não comprometer tanto as obras quanto a preparação dos atletas. Quanto à Bolsa Atleta, o ministério foi comunicado pelo Tesouro Nacional de um aporte financeiro e nos próximos dias estaremos regularizando a situação dos atletas. O objetivo foi que não deixasse que houvesse descontinuidade na liberação desses recursos. Fomos firmes, apesar das dificuldades e dos ajustes a cumprir - disse o ministro do Esporte, George Hilton, no dia 23 de dezembro.
ATLETISMO REDUZ TREINOS FORA DO BRASIL
Viagens para campings no exterior serão reduzidas e boa parte da preparação do atletismo para os Jogos será no Brasil. Serão priorizados os mais bem colocados no ranking mundial de suas provas ou que fizeram final no Mundial de Pequim deste ano. Fabiana Murer, do salto com vara, é um exemplo de prioridade.
- Não dá para atender a todos, temos que estabelecer prioridades. Se a Fabiana pedir três campings internacionais, indo para tal e tal competição, tenho que atender, é prioridade máxima - disse ao Globo, em novembro, o presidente da Confederação Brasileira de Atletismo (CBAt), José Antônio Fernandes.
COB APERTA ORÇAMENTO
Diretor executivo do Comitê Olímpico do Brasil (COB), Marcus Vinícius Freire diz que a crise não prejudicou a preparação da delegação brasileira em nenhuma competição em 2015. O que houve foram readaptações: levou-se menos auxiliares e material esportivo nas viagens.
- Na grande maioria não atrapalhou. Temos a lei Agnelo/Piva, conseguimos tornar lei a Bolsa Pódio e o Plano Medalha. Esses financiamentos aconteceram normalmente. Nós tivemos um problema com a diferença de câmbio. Para quem tinha planejado despesa com o dólar a R$ 2,50, fazer despesa a R$ 4... Tivemos que fazer trocas de ações ou reduções de grupos. Mas conseguimos entregar tudo o que planejamos este ano.
Em novembro, dois treinadores estrangeiros deixaram o país por conta da crise: o ucraniano Oleg Ostapenko, da ginástica olímpica, e o francês Jean Maurice-Bonneau, dos saltos do hipismo. Freire diz que o motivo não foi econômico.
- O Oleg queria voltar, mas não foi uma diferença financeira ou de câmbio. E também não foi o Jean Marie no hipismo. Foi um convencimento geral tanto dele, como da confederação e dos atletas que era hora de dar um tempo e conversar com outras pessoas.
2016 PODE SER PIOR
"Para 2016 vai ser muito ruim. Vamos ter problema para pagar viagem e comprar equipamentos. Temos que comprar quase que um enxoval novo para disputar as Olimpíadas, barcos novos.
"Acho que podemos sentir os efeitos da crise no próximo ano. A lei de incentivo de esporte destina 1% do que a empresa paga de Imposto de Renda. Este pagamento está ligado diretamente ao lucro da empresa. Então, se tivermos alguma redução na margem de lucro dessas empresas desse repasse de verba isso vai nos prejudicar, porque a captação é feita no final deste ano, início do ano que vem" - Daniel Santiago, diretor executivo da CBVela.
"Para 2016 pode ter contingenciamento do orçamento da União. Estamos vendo a redução de despesas da União e em alguns estados. Nós não temos nenhum convênio com o governo federal, nenhum que possa ser travado no meio do ano. Nosso planejamento vai ser 100% executado até o final de 2016" - Marcus Vinícius Freire, diretor executivo do COB.