Sábado, 24 de novembro de 2012. Diante de uma torcida de mais de cinco mil pessoas, no estádio Presidente Dutra, no bairro do Porto, uma equipe acaba de vencer um campeonato brasileiro. A cidade era Cuiabá, sede da Copa do Mundo de Futebol de 2014, e o esporte que levou milhares de pessoas ao Dutrinha foi, naturalmente, o futebol americano.
Não, você não leu errado. Fenômeno de público na capital mato-grossense, a equipe do Cuiabá Arsenal consegue atrair mais pessoas aos estádios do que o tradicional futebol. A equipe conquistou de vez seu espaço nos corações dos torcedores, que não se importam em passar mais de quatro horas no estádio para ver uma partida.
Os números comprovam essa popularidade. Enquanto o Campeonato Mato-grossense deste ano teve uma média de público de 575,9 pagantes, o Arsenal conseguiu levar ao estádio Dutrinha, no ano passado, durante o torneio nacional, cerca de 2 mil pessoas por jogo.
Criado em 18 de abril de 2006, o Cuiabá Arsenal, cujo nome é uma homenagem ao prédio do Arsenal de Guerra da Capital (hoje, Sesc Arsenal), já venceu o Pantanal Bowl III, a Liga Brasileira de Futebol Americano e o Campeonato Brasileiro de Futebol Americano.
Em 2012, quatro de seus jogadores foram convocados para a seleção brasileira. Neste ano, foram 10. E o capitão da equipe, Igor Mota, está, atualmente, defendendo uma equipe americana.
Nada mal para uma equipe que, até hoje, não tem atletas profissionais e precisa da colaboração financeira de seus jogadores e técnicos para poder jogar em outros estados.
“Para nós, essas conquistas mostram que a linha de trabalho do Cuiabá Arsenal está acertada. Cobramos muito dos nossos jogadores, somos uma das equipes que mais treina no país e contamos com uma comissão técnica muito experiente”, afirma Orlando Ferreira Junior, fundador do clube.
O crescimento ano a ano da equipe em Cuiabá e também no interior do Estado é fruto do cuidado que o time tem com os próprios eventos e dos resultados da equipe em campo, avalia o presidente.
“O cenário esportivo de Cuiabá também facilitou esse crescimento - não temos uma equipe que seja destaque nacional e o Arsenal conseguiu isso”, opina Orlando, acrescentando que o time ainda tem muito para avançar.
“Nosso principal desafio é levar o esporte para as crianças e faremos isso com as nossas escolinhas”, planeja Orlando.
Para quem joga no Arsenal, vestir a camisa do clube representa estar numa equipe organizada e que tem crescido de forma consistente ao longo dos anos, ganhando o respeito e o carinho dos torcedores.
“Nós nos dedicamos e nos sacrificamos também. Nenhum jogador é profissional. Todos temos emprego e trabalhamos bastante, mas mesmo assim reservamos tempo pra os treinos”, afirma o wide receiver e kicker Raulin Leal, de 29 anos.
Um dos destaques da equipe em 2012, (de 9 jogos, não marcou touchdown apenas em 2), o personal trainer Raulin conta que acorda às 5h30 da manhã todos os dias para ir ao trabalho e que, ainda assim, encontra disposição para os treinos das 22h à meia-noite, realizados às terças e quintas-feiras.
“Mas os resultados mostram que tudo isso vale a pena e refletem o desempenho de todos”, afirma.
O Arsenal treina quatro vezes por semana, enquanto a maioria dos times treina apenas uma. Porém, os locais dos treinos do time sofreram uma alteração desde que o campo da UFMT foi fechado para obras da Copa de 201. Por conta disso, o time tem revezado os treinos em espaços afastados, disponibilizados pela Polícia Militar.
“Estamos pleiteando junto à Prefeitura de Cuiabá um espaço para que o Arsenal possa ter seu centro de treinamento e suas escolinhas para atendimento à comunidade”, diz Orlando.
O início
O Arsenal foi fundado quatro anos depois de o futebol americano começar a ser praticado por um grupo de amigos, em Cuiabá, no campo da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT).
Quando o grupo começou a ficar maior, graças à adesão de estudantes da faculdade de engenharia da UFMT, os praticantes fizeram um torneio com 4 equipes. Foi a partir daí que os atletas decidiram que era hora de levar o esporte mais a sério.
“O jogador José Miguel Bispo marcou uma partida contra o Tubarões do Cerrado, de Brasília, e então, resolvemos criar um time”, conta Orlando. O jogo contra os Tubarões foi em 16 de junho de 2006 e o Arsenal venceu por 33 a 8.
No começo, a principal dificuldade foi a falta de equipamentos apropriados, como capacetes e ombreiras, que tiveram que ser importados, aumentando os custos. O Arsenal só foi equipado no final de 2008.
Técnicos
Orlando, apaixonado pelo esporte desde que assistiu a uma partida nos Estados Unidos, em 2002, comandou a equipe até 2010. Naquele mesmo ano, o americano Clayton Lovett, que é casado com uma cuiabana e se mudou para a cidade no final de 2009, entrou na equipe como jogador.
No ano seguinte, por conta de sua liderança e experiência com o esporte, foi convidado para ser o treinador. Ele levou a equipe ao título nacional em 2012, mas no final desse mesmo ano, deixou o comando do time para dedicar-se a negócios particulares.
O Arsenal está em fase de negociação com um novo técnico.
Capitão na América
A primeira oportunidade do capitão do time e da seleção brasileira, Igor Mota de Oliveira, de 27 anos, jogar nos Estados Unidos surgiu no final de 2011, graças à ajuda de Lovett e Matt Rahn, que também fazia parte da comissão técnica. Na ocasião, no entanto, a ida ao país não deu certo.
Mesmo assim, Mota manteve os treinos e nova chance surgiu este ano. E, dessa vez, ele conseguiu ir. O jogador está no time do Omaha Beef, da cidade de Omada, no estado de Nebraska. A experiência no país onde esse esporte nasceu tem rendido bons frutos.
“O jogo aqui é muito rápido, tático e físico, qualquer detalhe você perde a jogada. Acho que tenho melhorado minhas leituras das jogadas, e também técnicas do jogo. Está sendo muito bom ter essa oportunidade de crescimento para poder ajudar meus companheiros de time quando voltar”, diz o capitão, que ajudou a fundar o Arsenal.
Igor começou a praticar futebol americano em 2004, mas ainda não sabia muito sobre o esporte.
“Era só brincadeira, sem sabermos que iria se tornar algo grande em nossas vidas. Aprendi junto com o restante do grupo. Muito do que aprendi foi com o Orlando, muitas coisas também da internet, e trocando informações com jogadores de outros times”, conta.
Mota volta para Cuiabá no meio de junho, quando acaba a temporada norte-americana. “E espero que volte campeão”, diz, rindo.
Torcedores
Orlando conta que, em 2008, a equipe fez um planejamento estratégico e entendeu que a gestão, ainda voltada para os jogadores, deveria mudar o foco para os fãs, pois eram eles que dariam, a médio e longo prazo, sustentação para a equipe.
“Ficamos muito admirados e honrados com o público que acompanha as partidas e, principalmente, com o carinho e o respeito dos fãs”, diz Orlando.
Para ele, é obrigação do time manter o nível da equipe dentro de campo e o nível dos eventos fora de campo, como forma de devolver para os fãs um pouco desse carinho.
Os jogadores também elogiam o empenho do público que torce para o Arsenal.
"A torcida em Cuiabá é fantástica. Entra no clima de como ajudar o time dento de campo, e isso faz muita diferença para quem está lá dentro. É muito bom jogar em casa e ter esse apoio o jogo inteiro. Isso passa confiança aos jogadores e nos motiva a nos empenhar mais para responder aos incentivos dados", afirma Igor Mota.
Parte do público do Arsenal acompanha o time desde o início, como o advogado Paulo Pascotto, de 23 anos.
Ele começou a ver os jogos desde que o time foi formado. No ano passado, assistiu a quatro jogos da segunda fase do campeonato brasileiro no Dutrinha, sempre com casa cheia.
“A gente percebe essa superioridade do Cuiabá Arsenal em relação aos outros times, o que é uma consequência natural da grande quantidade de jogadores e do empenho deles”, diz.
E, para os torcedores que acabaram de descobrir o futebol americano e que ainda não entendem muito do assunto, durante os jogos do Arsenal um narrador explica as jogadas que acontecem no gramado.
Intercâmbios
O time começou, em 2010, a fazer intercâmbio com jogadores e treinadores norte-americanos, já com Lovett atuando pela equipe. Foram trazidos três jogadores para reforçar a equipe na fase final da competição nacional.
“Além de ajudarem em campo, esses jogadores foram fundamentais fora dele e nos mostraram o quanto a equipe poderia ganhar com o aporte de conhecimento de pessoas experientes no esporte”, diz Orlando.
Em 2011 e 2012, foram dois treinadores e 2 jogadores americanos, o que mudou o patamar técnico da equipe, na avaliação do presidente.
Ainda em 2011, graças ao trabalho de Denevaldo Barbosa, um dos diretores do Arsenal, o time conseguiu fazer em Cuiabá o primeiro amistoso internacional no Brasil, com a equipe dos Los Felinos de La Florida, do Chile.
“O jogador Heron Azevedo, brasileiro que joga há 3 anos nos Estados Unidos, é outra peça fundamental nesse intercâmbio. Heron passou 3 meses na comissão técnica do Arsenal em 2012 e foi fundamental no desenvolvimento dos nossos recebedores, uma das posições mais difíceis do jogo”.
Em 2012, o Arsenal também recebeu a primeira visita da Goal Line Americas, uma iniciativa do missionário Ken Lake que trouxe a Cuiabá, por uma semana, 10 treinadores, jogadores e ex-jogadores, incluindo um ex-jogador da NFL, a liga profissional americana. Nesse mesmo ano, também fez intercâmbio com um jogador do Chile: Claudio Acosta, da seleção daquele país, defendeu a camisa do Arsenal.
Arena Pantanal
O estádio que será palco dos jogos da Copa vai ser uma estrutura muito importante para o setor de entretenimento da Grande Cuiabá e vai oferecer, além de um espaço muito bom para esporte como o futebol americano, avalia Orlando.
“Uma estrutura confortável, com estacionamento, bares, restaurantes e cadeiras, com certeza levará um novo público para a Arena, ansioso por eventos desse nível. O Cuiabá Arsenal certamente será um dos usuários da Arena Pantanal e tenho certeza que faremos lá excelentes eventos”, diz.
Apoio
Orlando diz que, apesar do time contar com o apoio de várias empresas (Livraria Janina, FCS Bem Pensado, Universidade de Cuiabá e Biocare Quiropraxia), além do poder público (estado e município), cerca de 70% do orçamento do Arsenal vem de recursos da diretoria e dos jogadores.
“Claro que essa situação não pode se manter no médio prazo. Por isso, estamos empenhados em conquistar a confiança de novos patrocinadores para que o futuro da equipe não seja colocado em risco”, finaliza o presidente.