Maior ícone da TV nacional se despede com um legado gigantesco, marcado por ousadia e brilhantismo. Entre seus maiores talentos, uma simpatia que conquistava qualquer um e a habilidade de conduzir espetáculos como ninguém.
Impossível falar de televisão brasileira sem destacar Silvio Santos, apresentador que começou como camelô e virou um dos empresários mais bem-sucedidos do país. Dono de um carisma inestimável, o primogênito de seis filhos de pais judeus fundou o SBT em 1981 e por muitos anos se consolidou na vice-liderança de ibope — atrás somente da Globo –, com uma programação voltada ao público infantil e à família, tendo seu tradicional programa de auditório, o Programa Silvio Santos, como marca registrada. De todos os apresentadores da história da TV brasileira, Silvio foi o que mais conseguiu traduzir o modelo americano de atração televisiva de sucesso para os padrões nacionais e, com isso, acertar em cheio o coração do povo brasileiro. O país, então, se despede de uma figura importantíssima que, muito provavelmente, nunca será esquecida.
Nascido na Lapa, no centro do Rio de Janeiro, como Senor Abravanel, Silvio tinha como pai, Alberto Abravanel (1897–1976), um comerciante de Tessalônica, na Grécia, e a mãe, Rebeca Caro, oriunda da Turquia, que migraram para o Brasil em 1924. A história de como Silvio foi do nada ao posto de maior apresentador da televisão nacional é espantosa. Aos 14 anos, começou a trabalhar de ambulante pelas ruas da capital fluminense, vendendo canetas e outros artigos pequenos, como capas para título de eleitor. Enquanto soltava a voz para anunciar seus produtos, um fiscal da prefeitura notou seu potencial e o convidou para um teste na então Rádio Guanabara, que hoje é a Rádio Bandeirantes no Rio de Janeiro. Apesar de ter sido aprovado, mantinha seu trabalho como camelô, que garantia um salário melhor. Chegou a se alistar no Exército, mas nunca cumpriu serviço, pois se dedicou à carreira de locutor, começando por uma rádio de Niterói.
Silvio Santos se mudou para São Paulo pouco tempo depois, aos 20 anos, em 1950. Na capital paulista, começou a comandar circos, trabalhou como animador de espetáculos e de caravanas de artistas. Estreou na TV Paulista em 2 de junho de 1963 com seu Programa Silvio Santos, um programa de auditório que logo faria sucesso estrondoso com seus quadros de jogos, de namoro e uma plateia sempre animada por mulheres. Foi o apresentador o responsável por popularizar o hábito de assistir televisão aos domingos. Ao longo dos anos, foi aumentando exponencialmente seu tempo de tela, apelando para os mais variados gêneros. Naquela época, as emissoras não trabalhavam com exclusividade, e era Silvio que tinha que comprar seus horários nas grades de programação. Com isso, pagava um aluguel mensal à Globo para exibir seu programa, mas também comprava horários em outras emissoras, como a TV Tupi, ao mesmo tempo. Em 1958, Silvio comprou o Baú da Felicidade de seu amigo Manuel de Nóbrega (1913-1976). Vendido a pessoas comuns, o carnê tinha que ser pago mês a mês, e os compradores poderiam trocar por prêmios ao final de um ano. O negócio ajudou substancialmente o empresário a aumentar seus lucros.
“Noventa ou 95% das decisões que eu tomo, graças à minha intuição, costumam dar certo. Eu digo isso sem menosprezar meus assessores. Eles são excelentes na execução, mas eu gostaria de ter aqui mais gente criativa. No Brasil as pessoas são pouco criativas em geral. E uma ideia pode representar apenas 10% de um empreendimento, mas sem ela não existiriam os 90% de execução bem-sucedida”, disse Silvio Santos a VEJA em 1975.
O SBT apostava forte em atingir o público das classes C e D, então abusava de conteúdos sensacionalistas, com programas de auditórios, policiais e novelas excessivamente dramáticas. Apesar da estratégia ousada afastar alguns anunciantes, levou o SBT à vice-liderança instantaneamente. Nos anos 1990, a emissora viveu sua era dourada com a ajuda de atrações marcantes, como o Domingo Legal (com Gugu Liberato), Passa ou Repassa, Fantasia, e Em Nome do Amor.
Com a ditadura militar instalada no Brasil em 1964, programas de auditório passaram a ser proibidos pela censura do AI-5, obrigando emissoras a demitirem os apresentadores sensacionalistas. Isso, entretanto, não afetou Silvio Santos pois ele não era contratado da Globo, apenas um cliente, que ficou no ar até 1976, quando acabou seu contrato. Grande negociador, o apresentador se aliou aos militares e ganhou uma concessão do canal que se tornaria o SBT (Sistema Brasileiro de Televisão) de João Figueiredo (1918-1999), o último presidente da era ditatorial. Em gratidão, a emissora de Silvio Santos exibia o polêmico quadro Semana do Presidente, que elogiava as ações dos militares no governo. Santos ganhou a concessão do canal 11 do Rio de Janeiro, a antiga TVS, onde passou a transmitir seu programa. Em 1981, a TVS ganhou exibição nacional pelo canal 4 da TV aberta, sendo batizada oficialmente de SBT. A popularidade do canal motivou Silvio Santos a tentar uma carreira política, levando o comunicador a se candidatar à presidência em 1988, mas sua candidatura foi barrada pelo Tribunal Superior Eleitoral. O lado político de Silvio Santos nunca ficou adormecido. De Luiz Inácio Lula da Silva (PT) a Jair Bolsonaro (PL), o apresentador sempre foi cordial com qualquer chefe de Estado brasileiro.
Na juventude, Silvio Santos era casado com Maria Aparecida Vieira Abravanel, a Cidinha, mãe de Cíntia e com quem adotou Silvia. Para manter a figura de galã da televisão, o apresentador escondia a esposa e omitia seu casamento, fazendo sucesso com as telespectadoras e participantes das plateias. Cida faleceu em 1977, em decorrência de um câncer. No ano seguinte, Silvio se casou com Iris Abravanel, com quem viveu junto até o final de sua vida. Da relação nasceram Daniela, Patricia, Rebeca e Renata. Todas as filhas do apresentador trabalham no SBT — e, agora, são as responsáveis por dar continuidade ao legado do pai.
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